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quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

O álcool como forma de dominação masculina



Esta semana um dos highlights feministas foi a nova campanha da Skol (eta cerveja ruim, diga-se de passagem). Muita discussão pertinente foi levantada e a mais óbvia com certeza foi a da cultura de estupro. 
Resistência e intervenção feminista. Leia o post da Pri

Não acho que se trata somente de cultura de estupro, cruamente falando. Como a Pri Ferrari disse, a indução a perda de controle é algo perigoso. A Skol, como outras marcas de cerveja brasileiras, investem no corpo feminino, na voluptuosidade e na pegação que costuma acontecer quando as pessoas bebem. E aí mora um perigo grande, porque nem sempre quando se bebe, você não é capaz de consentir (apesar de haver discordâncias no meio feminista sobre isso). No entanto, a existência de consentimento não significa que a mulher não esteja diante de situações violentas ou misóginas.

Comecei a pensar sobre isso depois de comentar num grupo de mulheres sobre consumo excessivo de álcool e uma mulher colocou um ponto incrível: mulher beber hoje em dia é legalzão, mas até pouco tempo atrás, não era assim. Era vergonhoso, sujo, e muita gente ainda carrega isso. E aí a gente se rebela, obviamente, adentrando os espaços que antes eram exclusividade masculina: bares, boates, open bar. Apostamos com eles quem vira mais doses e copos cheios de cerveja e poucas coisas soam mais girl power que uma mulher que bebe melhor que um cara. Fazemos isso sem pensar no efeito que isso tem sobre nós mesmas e no quão vulneráveis ficamos num ambiente misógino e potencialmente hostil para mulheres.

As músicas de hoje, as que fazem sucesso, são muito sobre uma mulher que está louca, bebeu demais, tá descendo até o chão, dançando com todos, tá provocante. A mulher que bebe, atualmente, é descolada, divertida. É claro que se você passar vergonha, desmaiar, vomitar ou sofrer algum abuso, você que não deveria estar vulnerável no meio de um monte de homem bêbado. A sociedade patriarcal passa de liberal para conservadora muito fácil quando o corpo das mulheres deixa de ser parque de diversões e se torna fonte de problema.

O negócio é que álcool não é um problema apenas em situação de abuso e estupro. O álcool é problema quando a gente esquece o "não" em casa e consente demais, a ponto de achar que encher a cara, ficar vulnerável, ficar com todos, é algo muito tranquilo de se fazer. Spoiler: não é. Não numa sociedade patriarcal que, atualmente, prefere mulheres bêbadas porque elas são mais "soltinhas". 

Não é nem que as mulheres esqueçam o "não" em casa. Ele caiu dentro do terceiro mega-latão de Brahma, e aí no dia seguinte você não é mais a garota legal, sensual com sua caipirinha. Você é uma puta nojenta que bebe demais e não sabe se comportar. Você beijou pessoas que nem queria realmente beijar: você consentiu, mas não queria. Você foi, tentando se divertir, instrumento da diversão masculina.

É importante dizer que isso não é culpa das mulheres que bebem. Eu inclusa.  

Campanha do Ministério da Justiça que foi retirada do ar. Por motivos óbvios. Fácil demais culpar as mulheres.

A culpa é de uma cultura que glamoriza mulheres bêbadas não porque elas estão se divertindo e dançando (como teriam vergonha de fazê-lo naturalmente), mas sim porque elas estão vulneráveis e propensas a dizer sim. Me dá nojo pensar que a nossa diversão é vista como oportunidade para os homens: nossa conquista - a de poder frequentar espaços com álcool e realmente beber, como uma escolha nossa - é transformada em mais uma ocasião em que somos presas masculinas. Nos incentivam a beber, mas as consequências disso são somente nossas. De novo, espaços masculinos nos são permitidos com consequências terríveis. 

Dizer essas coisas pode parecer discurso conservador, aquilo de "confundir liberdade com libertinagem". Mas deixo apenas a reflexão para vocês: porque uma sociedade machista como a nossa gosta tanto de mulheres bêbadas? É sempre porque elas vão desmaiar e serem estupradas? 

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Mulher tem que se cuidar

Art Must be Beautiful, Artist Must be Beautiful - Marina Abramovic, 1975 
Quando se é mulher, uma das coisas que mais se ouve é que a gente tem que se cuidar. Numa sociedade patriarcal como a nossa (ocidental, brasileira), isso quer dizer tudo, exceto de fato cuidar de si mesma.

Eu ouvi pouquíssimas vezes que eu tinha que me cuidar num sentido que não fosse estético: depilação, arrumar o cabelo, alisamento, maquiagem, perda de peso. Todas as inúmeras formas de moldar o corpo feminino e que hoje são tidas como escolha pessoal. O que passa despercebido é que algo que vem acompanhado da expressão "mulher tem que" simplesmente não pode ser uma escolha pessoal: investimentos estéticos, em especial as intervenções cirúrgicas, não são apenas escolhas individuais.

Existe uma pressão imensa para que mulheres invista em sua aparência. É engraçado pensar no quanto os homens se assustam quando colocamos no papel o quanto gastamos com nosso corpo (sempre bom lembrar que, no geral, mulheres ganham 33% a menos que homens, ao exercer a mesma função). Eles ficam confusos, se perguntam o motivo disso tudo, mas quando se deparam com uma mulher que não gosta de se depilar, ficam enojados e chocados.

Michelle Corvino
Em Beleza e Misoginia Sheila Jeffreys levanta uma questão interessante: todas essas intervenções (que no livro ela chama de "práticas culturais danosas") são formas de separar a mulher do homem. Isso quer dizer que para a mulher ocupar o mesmo espaço do homem, ela deve estar portando maquiagem, salto, e coisas do tipo, senão é "desleixada" e tem menos valor. Senão ela não está se cuidando. Por exemplo, no mercado de trabalho, em especial cargos mais altos, a mulher deve estar sempre bem vestida, maquiada e penteada, enquanto essas regras são bem mais frouxas para o homem: para ser respeitada, a mulher deve "se cuidar", enquanto o homem é respeitado per se.

Todas essas práticas envolvendo aparência são formas de colocar a mulher em seu devido lugar no patriarcado, um lembrete de que nosso avanço aconteceu, mas sob duras condições. Sheila compara a maquiagem aos véus utilizado pelas mulheres muçulmanas. Para frequentar o espaço público, a mulher muçulmana deve se cobrir e, caso ela não queira, ela não é socialmente respeitada. Muitas mulheres decidem utilizar o véu não porque gostam do véu em si, mas sim do respeito que recebem quando o portam. O mesmo acontece no ocidente com a maquiagem, por exemplo. As mulheres não escolhem se maquiar para o trabalho, ou usar salto, mas sabem que serão tratadas com mais seriedade e ser vistas como melhores profissionais se demonstrarem ser "mulheres que se cuidam".
"Feminist commentators on the readoption of the veil by women in Muslim countries in the late twentieth century have suggested that women feel safer and freer to engage in occupations and movement in the public world through covering up (Abu-Odeh, 1995). It could be that the wearing of makeup signifies that women have no automatic right to venture out in public in the west on equal grounds with men. Makeup, like the veil, ensures that they are masked and not having the effrontery to show themselves as the real and equal citizens that they should be in theory. Makeup and the veil may both reveal women’s lack of entitlement." - Beauty and Misogyny, Sheila Jeffreys
"Feministas que comentaram na readoção do véu por mulheres em países Muçulmanos no final do século XX, sugerem que mulheres se sentem mais seguras e livres para se engajarem em empregos e movimentos no espaço público se cobrindo. (Abu-Odeg, 1995). Usar maquiagem significaria que mulheres não têm um direito automático, no oeste, para se aventurarem em público a pé de igualdade com os homens. A maquiagem, como o véu, assegura que elas estão mascaradas e não têm a audácia de se mostrar como cidadãs reais e iguais que seriam em teoria. Maquiagem e véu podem ambos revelar a falta de exercício dos direitos das mulheres." - Beleza e Misoginia, Sheila Jeffreys
Eu quero dizer que mulher tem que se cuidar sim. Mas não desse jeito: isso não é cuidado, é violência. Não proponho que todas nós paremos de nos depilar ou usar maquiagem, mas que passemos a nos cuidar de verdade e não só nos submetermos a essas práticas que são muito mais violentas do que reais cuidados com o corpo.

Cuidar de si mesma é malhar não porque é importante "manter a forma", mas porque malhar libera endorfinas importantes, ajuda com cólicas menstruais e outras questões relacionadas a saúde. Cuidar de si mesma pode ser não malhar, se isso não é algo legal para você.

Proponho que a gente se cuide, hidratando o corpo, por exemplo, não só para ficar com aquele brilho na pele, mas também porque é gostoso se massagear, se sentir. Tirar meia hora para massagear as suas pernas e ir dormir com elas macias contra o cobertor: se curtir de verdade.

Proponho que a gente troque a grana da depilação por uma massagem relaxante. Trocar dor por prazer. Isso me parece muito mais uma mulher se cuidando do que sofrer todo mês porque "o resultado compensa" (já repararam como tudo que é positivo para a mulher costuma ter um preço que é pago em dor?).
Thai

Mulher tem que se cuidar sim: pensar nela, no seu bem-estar além da aparência. Porque não tem nada de errado em querer parecer bonita, dentro dos padrões, mas existe muito de errado em nossas vidas serem quase que inteiramente dedicadas a isso, inclusive servindo como um acessório para conseguir melhorar os outros aspectos (como o profissional ou o amoroso). As pessoas repetem que mulher tem que se cuidar mas não falam em auto-preservação, por exemplo. Em como as mulheres, sendo socializadas para cuidar dos outros, acabam se dedicando muito mais aos outros do que a si mesmas, se sacrificando muito mais do que deveriam.

A verdade é que não ensinam as mulheres a realmente se cuidar: ensinam as mulheres a enfeitar.

Deixo essa reflexão, e proponho às leitoras que se cuidem. Que tirem o dia para ler um livro que te faça chorar tomando um chá (que é só gostoso, sem nenhum "efeito" emagrecedor), que usem um sabonete cheiroso pra se massagear no banho, que guardem o dinheiro da depilação desse mês e gastem em algo que só te traga alegria, e não dor (sério mesmo, que tal um vibrador?). 

Revolução só é possível quando as mulheres estão fortes e empoderadas o suficiente para serem protagonistas. Empoderar-se é se cuidar. 

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

John e Shilloh: barreiras de gênero




Se você achava que seria a Kim Kardashian quem quebraria a internet, se enganou: toda vez que a filha de Angelina Jolie aparece nas câmeras, é todo um rebuliço. 

O motivo é simples: trata-se de uma menina que não gosta de se vestir da forma convencional para meninas e que, de algum tempo pra cá, prefere ser chamada de John. Antes de mais nada, é incrível ver a compreensão e apoio de Angelina e Brad a como a criança quer se vestir ou ser chamada. Esse deve ser um exemplo para os pais mundo afora, inclusive conhecidos meus, que agridem uma criança de apenas dois anos por gostar de batom. 

O que a posição da criança e dos pais para o mundo e o choque da sociedade nos diz é que as barreiras de gênero vão muito bem, obrigada. Tão bem que pessoas de fora da família já decidiram que a criança é trans (ou seja, foi designada como menina ao nascer, por ter vagina, mas se identifica como homem), algo que com certeza não é definido por um nome e umas peças de roupa, em especial quando se é tão jovem. Mas não é esse meu questionamento: trata-se de uma questão pessoal de John, ou Shilloh, ou o nome que a criança preferir. Trata-se de uma decisão a ser tomada por ela quando o mundo a sua volta fizer realmente sentido. 

Antes de qualquer coisa, é importante voltar à princípios básicos do feminismo, que infelizmente a gente se esquece fácil: 

Existe uma divisão entre homens e mulheres em sociedades patriarcais. Essa divisão não só separa um do outro, como coloca os homens em cima. Nós somos suas subordinadas, esposas, mães cuidadoras: lavamos suas roupas, cuidamos de seus filhos, limpamos sua casa. O problema não está em lavar, limpar e cuidar, mas sim fazer isso para homens sem sequer haver reconhecimento. Sem falar na limitação: seu lugar é um vestido rosa lavando a louça ou numa área de trabalho "feminina" como a medicina ou educação. Você tem que ser linda, mas não demais. Você tem que ser muitas, muitas coisas mesmo, em especial no que diz respeito a sua aparência e sexualidade. Quando se é mulher, você tem um lugar muito limitado para ocupar no mundo. 

Punk rock não é coisa de mulher, nem calça militar, nem cabelo curto, nem esse cachorrão

E é aí que entra a controvérsia da filha da Angelina Jolie. É uma criança que nasceu menina, que tem não só a família e a sociedade esperando um papel de menina dela: existem holofotes que esperam que ela apareça em público de vestido rosa ou fazendo o estilo "mini-adulta" que tem surgido por aí. Ao invés disso, a criança aparece de terno. 

Provavelmente a maior vantagem dos ternos são os bolsos.


E mulher não pode usar terno? 
Janis Ian já estava quebrando esse estereótipo no Meninas Malvadas, em 2004: 

Me possua, Janis.

Pra muita gente, ser homem ou mulher tem a ver com a roupa que você usa ou os objetos que gosta de ter por perto. Por isso se assustam quando veem uma criança menina brincando de carrinho ou correndo sem camisa na rua. Se assustam ainda mais quando é um menino se divertindo com bonecas ou querendo passar maquiagem: às mulheres, o cuidado, aos homens, explorar o mundo. 

A reação da mídia e dos fãs à roupa e escolha de nome de Shilloh choca porque, ao mesmo tempo em que associam ser mulher à vagina, também associam a várias coisas: vestidomaquiagemcuidadorosaboneca. Já a reação de alguns núcleos feministas à uma criança que escolheu um novo nome e usa terno é algo que ME choca. Surgiram muitos dedos apontados para a criança, dizendo que ela é trans! Shilloh tem 8 anos. 

Tudo o que Shilloh fez foi adotar um estilo que a agradava, por n motivos que ela mesma deve saber. Mais agradável aos olhos? Mais confortável? Vontade de ficar vestida igual a um homem específico? Nós não vamos saber tão cedo.

Dizer que Shilloh é trans por isso é dizer que ser mulher é usar vestido e ser homem é usar calças. E nós estamos em 2014, anos e anos depois da primeira onda feminista.

Como é fácil esquecer tudo que aprendemos lá atrás! Como é fácil esquecer o quanto lutamos pelo direito de sermos mulheres e podermos fazer o que quisermos, vestirmos a roupa que quisermos sem sermos rotuladas por isso. Shilloh é uma garota que já recebeu vários rótulos: trans, tomboy, lésbica, machinho. Não evoluímos nada, pelo visto. Era para Shilloh ser só mais uma garota sendo ela mesma, explorando diferentes estilos e tendo uma infância legal. 

Quanto a ela preferir ser chamada de John, eu não pularia diretamente para a conclusão de que se trata de uma criança transexual. Eu penso que Shilloh é uma garota tão inteligente que já notou que John pode ser quem ela quer ser, enquanto Shilloh tem expectativas de menina. 

Ela já percebeu que como John, ela pode ser quem ela quer, e como Shilloh não. É uma lógica simples e que uma criança poderia fazer. Se ser menina é ter que usar vestido e fazer coisas que ela não quer, então agora é John, que pode fazer isso tudo sem ser julgado.

Eu não acho isso saudável. Acho sintomático, e acho que a barreira de gênero, hoje em dia, está fortíssima. Nós mulheres não podemos apenas ser, despreocupadamente, nós mesmas. Nos deram mais um monte de moldes para seguir.

Meu objetivo não é estipular se a criança é ou não trans, ou as políticas envolvidas nisso. Meu objetivo deveria ser claro a todas as feministas: definir uma criança como homem ou mulher com base no que ela gosta de vestir e brincar é machismo puro. É um retrocesso em décadas de luta feminista pela libertação das mulheres dos papéis que nos foram impostos. É afirmar que, sim, Amélia que era mulher de verdade, que fazia tudo em casa e ainda estava lindíssima para o marido. É afirmar que ser mulher é um papel muito bem definido.

Edit (20/12):
Uma amiga me apontou coisas importantíssimas, então segue a fala dela:

"O Brad Pitt falou em entrevista que ela, na época com 2 anos (!!), queria ser chamada de John ou Peter por causa do Peter Pan. Não era a identidade de gênero dela. http://goo.gl/q2Sjtd
Aí nessa reportagem tem tbm uma fala da Jolie falando que a pira dela é ser que nem os irmãos e boa, nada pra ficar sendo interpretado.
Aí com 6 anos ela queria ser chamada de Ben e depois de Shax (pra combinar com os nomes dos irmãos) http://goo.gl/W19SLc
Enfim, em 2010 a Jolie já tava pedindo pra não julgar a Shiloh pelas roupas masculinas (http://goo.gl/HrR475)."

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

A liberdade do Professor

Homem que engana, manipula e assedia mulher: não importa se é de esquerda. Não é meu companheiro de luta.


(TW: heterossexualismo, piv, sexo hétero, prostituição)

Se você não sabe do que se trata esse post, leia aqui e aqui primeiro.

Eu convivo com muitos homens "feministas". Eu vou descobrindo, aos poucos, que eles não são tão legais assim. Não que eles pisem na bola de vez em quando: eles pisam sempre. Sempre chega algo no meu ouvido: "fulano gosta de novinha", "fulano forçou a barra com fulana", "fulano traía fulana", "fulano obriga fulana a aceitar relacionamento aberto".

Por muito tempo eu me esforcei absurdamente pra desconstruir monogamia. Me sentia culpada de sentir ciúmes, de estar num relacionamento fechado, de não ser livre o suficiente. Eu entrei num grupo chamado "Rli Belo Horizonte".

Um dia, um cara já famoso por ser escroto com mulheres, postou uma imagem com os seguintes dizeres:
"Com tanta coisa pra dar, você vai dar uma de difícil?"

E aí começou minha desconfiança de que não havia segurança num ambiente em que eu não poderia dar uma de difícil, já que tenho vagina e ânus pra dar. Com dois buracos pra dar, por que eu daria uma de difícil? Haha.

Na medida em que o "poli", como o I****** fala, se constrói, a amiguinha responsabilidade fica pra trás. E o respeito também. E o bom senso. A gente começa a esquecer que as pessoas com quem nos relacionamos (em especial mulheres) são humanas.

Libertação sexual na esquerda tem significado as mulheres abrirem as pernas pra qualquer um (falo qualquer um porque a libertação sexual das bissexuais e lésbicas ficou pra trás e esquecida em meio à fetichização e lesbofobia). E isso ser considerado muito bonito, libertador, e ai de quem achar feio que é moralista.

O problema é que enquanto as mulheres acham que estão se divertindo, se libertando, as vezes, de um relacionamento já abusivo com o marido/namorado atual etc, os homens as exploram.
Eu já vi homens falarem que fazem questão de namorar feministas. Por que? Nós somos mais tolerantes? Acho que não. Nós somos é mais livres, mais mente-aberta, queremos nos libertar dessa cultura que fala que fazer sexo anal é rebaixar a mulher (novos estereótipos feministas: de lésbicas peludas à mulheres que dão o cu e fazem suruba. Sinto saudades do primeiro). E aí você luta pra não ser chamada de puta na rua, mas tem um cara que está transando com você te chamando de puta pra "te excitar". E você se excita, porque a puta é livre, né? Não. Porque o cliente da puta a explora, e esses homens exploram mulheres também. Não é só uma palavra quando o cara realmente te trata como uma, te explora como uma, te manipula como uma. Não é só uma palavra quando ele te domina.

Essa discussão importa porque hoje em dia (eu tenho 20 anos e já estou sendo obrigada a usar essa expressão) um homem que: mantém inúmeros casos com mulheres casadas, as prefere porque assim não precisa assumir responsabilidades; as coloca em situação de risco com homens violentos; engana a parceira atual; etc, é visto como apenas um homem heterossexual flertando e desconstruindo monogamia.

E se você é uma mulher formada, inteligente, feminista, casada, e caiu na teia de manipulação desse cara, bom, a culpa é sua, né? Você que estava tentando se libertar. Se achou ruim, por que não pulou fora?

Bom, quando você passa tanto tempo sendo ensinada que transar com um cara que te trata feito lixo e fala que pode meter em você de tal a tal hora é ser livre e subversiva, você passa a acreditar. Quando você percebe que gosta do cara e que se não transar com ele, outras vão, você acaba indo, porque ganhar migalhas é melhor que nada quando se é mulher. É assim que a gente aprende. E aí o que era pra ser uma libertação sexual se torna sua cruz e quando você assusta, você está apaixonada por um cara que não te assume, te trata mal, te vê como objeto "puta", e se você não der pra ele, você sabe que vão ter outras pra ele comer. Porque ele faz questão de te falar. Afinal, ele é poli. É um cara disputado.

O caso do I****** não é o primeiro, nem o último. Esse padrão de manipular e enganar mulheres usando amor livre/poli/rli como escudo é tática antiga. Ele começou com isso em 2005. Até hoje chegam mulheres me contando que foram manipuladas por homens que consideram liberdade poder mexer com a cabeça de uma mulher o quanto quiser, transar com ela e ter zero responsabilidade quando a casa cai, ou em qualquer momento.

O que eu quero dizer é: é ok dizer "não". Pra não monogamia, pra qualquer tipo de sexo, pra sexo em si, pra relacionamentos que não são sérios. É ok querer ser tratada bem. É ok achar que sua liberdade não envolve esse tipo de situação, e eu espero que as mulheres lendo isso não percam o tempo que perdi me machucando e me culpando porque eu não queria ter um relacionamento "livre". Mal sabia eu que o choro que eu tinha, achando que estava sendo possessiva, egoísta, blablabla, amor sem posse, sem poder, etc, era uma própria gaiola feita de culpa.

Se liberdade for significar ser tratada "como puta", eu passo. Eu não sou puta, e nenhuma de vocês é.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Transtornos alimentares são uma questão feminista



Enquanto feminista, falar sobre o corpo das mulheres vai ser sempre um terreno mais perigoso do que parece. Quando clamamos pela liberdade sobre o próprio corpo, muitas de nós vão querer lutar pela liberdade de fazer cirurgias plásticas, dietas e toda sorte de modificações. Às vezes, falar sobre a cultura da magreza acaba por soar como "apologia à obesidade" (não que eu acredite nisso), ou mesmo como uma tentativa de podar as mulheres que buscam se encaixar no padrão. A conversa, na realidade, não é sobre isso. É sobre uma sociedade nojenta e doentia que manipula mulheres através da aparência.

Muito se fala sobre a liberdade sobre o próprio corpo, mas vejo um silêncio doloroso e incômodo sobre muitas de nós que estão presas em si mesmas ao sofrerem com transtornos alimentares. Minha tentativa é de dizer que TAs são assuntos feministas. Ou deveriam ser: muitas militantes não sabem muito sobre o assunto porque, na verdade, quase ninguém sabe. Nós vemos filmes, lemos livros e no fim das contas não entendemos muito sobre o que é ser uma mulher anoréxica ou bulímica.

Descobri, na minha recuperação, que ser uma mulher bulímica era muitas vezes o mesmo que ser apenas mulher. Meus comportamentos eram apenas uma amplificação de diversas atitudes consideradas comuns e até mesmo femininas, assim como as maiores bizarrices alimentícias passavam despercebidas socialmente. Eis um dos motivos pelos quais quase nunca se pega uma anoréxica ou bulímica em flagrante. As conversas sobre peso, corpo, a contagem de calorias, a incerteza ao olhar o cardápio, preferir ficar em casa do que comer uma pizza com os amigos... são todas atitudes enraizadas culturalmente não só como naturais, mas femininas. Coisa de mulher.

Recentemente tive o prazer sádico de ler Wasted, um memoir da jornalista Marya Hornbacher de seus 15 anos lidando com anorexia e bulimia. Um livro que, como todos do gênero, foi manual para muitas garotas com TAs, mas que traz uma luz feminista para a relação da autora com comida.

“Havia inúmeros métodos de autodestruição disponíveis para mim (...). Eu escolhi um transtorno alimentar. Não consigo deixar de pensar que, caso eu vivesse em uma cultura em que a ‘magreza’ não fosse vista como um estranho estado de graça, eu poderia ter buscado outras maneiras de alcançar essa graça, talvez uma maneira que não tivesse danificado o meu corpo tão gravemente e distorcido tão radicalmente o meu senso de quem eu sou" Marya Hornbacher, em Wasted

Marya aborda todas as questões que engatilharam seu transtorno: perfeccionismo intenso, uma família complicada, uma cultura obcecada pela magreza feminina. Fatores que quando se encontram podem formar uma combinação perigosa. Marya chegou a pesar 52 lbs, algo como 24kg. Nesse ponto, sua doença já era literalmente visível em seu corpo emaciado, mas o caminho até lá foi de 15 anos de sofrimento. 15 anos de uma dieta completamente desbalanceada. Mesmo hoje, Marya pode morrer durante o sono porque seu corpo nunca se recuperou do abuso. Muitas de nós, mulheres com TA, vamos viver com essas doenças para o resto das vidas sem que absolutamente ninguém perceba.

Marya Hornbacher hoje em dia. Saudável.

Isso acontece, e afirmo veementemente, porque nossos comportamentos foram naturalizados. A habilidade de dizer não a comida e negar as vontades mais primitivas de sobrevivência do corpo tornou-se símbolo de poder, como se as mulheres estivessem finalmente conquistando o controle final sobre si mesmas: longe da histeria, do descontrole, da compulsão. Negando qualquer signo tido como feminino, desde a curva de coxas e quadris e seios até o dito chocolate tão amado pelas mulheres em TPM. Passar fome tornou-se o novo feminino: mulheres devem comer pouco, ocupar o mínimo de espaço possível, parecerem frágeis, dizer estar cheias quando nem 10% do seu prato foi comido.

Me lembro de estar numa mesa de bar com meu ex namorado, há alguns anos. Naquela época, eu sequer encostava em refrigerante que contivesse calorias. A coca normal dele chegou, e depois a minha zero, junto com um amigo que, em tom de brincadeira, disse: "A coca zero é dela, né?". Espera-se que mulheres estejam de dieta e, se um homem o faz, é até vergonhoso. O óbvio para nós é a restrição, o zero.

Mulheres hoje em dia vivem para o domingo em que podem comer sobremesa, enquanto os homens de meia idade engordam segurando garrafas de uísque e comendo carnes gordurosas, entupindo as artérias com o prazer que não é feminino. O prazer da mulher é o pilates, a corrida, a academia três vezes na semana. Me sinto deslocada por ser uma das poucas mulheres que conheço que não malham. E uma das poucas que ousa desejar comida. Ainda assim, tenho medo de dizer que estou com fome.

Poucas mulheres têm coragem de dizer em alto e bom som: Estou morrendo de fome! As vezes que ouço um homem dizer isso são incontáveis. Eles merecem aquelas calorias, per se. As mulheres buscam desculpas desesperadamente: não comi nada o dia todo, almocei apenas uma salada, não como doces há meses, vou queimar isso tudo na esteira hoje a noite. As mulheres pedem desculpas por comer.


Sempre bom lembrar que comida é combustível para o funcionamento do corpo. Claro que não se trata somente de sobrevivência: sobreviver com TAs é possível e temos feito isso por anos. O problema, na realidade, é viver de fato: é possível andar por aí e funcionar com pouquíssima comida, mas a dor e a pressão psicológica, a sensação de não-merecimento e de falha constante... são questões desconhecidas por homens, no geral. Quantos homens precisam pensar se merecem ou não um hambúrguer?

Nós mulheres fomos adestradas, socialmente, a vermos comida como o inimigo: enquanto nossos irmãos se inspiravam nas carreiras profissionais dos pais e queriam ser advogados, executivos, bombeiros, nós mulheres nos olhávamos no espelho pensando se não estamos um pouco gordinhas (já que a mamãe parece temer tanto isso, só pode ser algo realmente muito ruim). A pior coisa que uma mulher pode ser, é gorda. A gordura passou a ser o oposto do feminino, e qualquer coisa que a aproxime disso (como comida!) será vista como inimiga. Ser mulher é estar de dieta, contando calorias e se punindo por desejar.



Marya Hornbacher faz o paralelo em seu livro que a restrição ao desejo sexual da mulher foi substituída pela restrição ao desejo por comida. O prazer em fazer sexo deixou de ser o centro de backlash: o negócio agora é comida. Ambos os assuntos, obviamente, dizem respeito ao prazer e ao corpo. Quando controlar as mulheres através do prazer sexual não foi mais tão eficaz, sua alimentação e auto-imagem tornaram-se ótimas ferramentas de controle.

O backlash contra o feminismo engoliu o movimento: os anos 80 eram obcecados por aparência, malhação e magreza. Essa década destruiu as mulheres, e elas agora são mães e ensinam às suas filhas que elas podem até não casar virgens, mas ser gorda já é demais.

Uma vez conheci uma garota anoréxica que desenvolveu a doença depois de ter sido abusada sexualmente por um parente. Descobri, com o relato dela, que isso é muito comum: muitas vítimas associam o ganho de peso à vulnerabilidade porque seu corpo ganha curvas e se afasta do dito masculino, aproximando-se do feminino que é visto como voluptuoso. Logo, desejável, vulnerável, chamativo, errado. Muitas vítimas também utilizam o controle da alimentação como a válvula de escape para o controle que perderam sobre o corpo durante o abuso ou estupro. Claramente, a alimentação feminina e o domínio sexual de homens estão ligados. (Também acredito que muito tem a ver com os padrões de beleza infantilizadores atuais, em que a magreza da anoréxica é uma regressão ao corpo pré-púbere. Mas isso é material para outro texto.)

Concluindo que transtornos alimentares se tornaram não só naturalizados como desejáveis na sociedade contemporânea, bem como a relação entre sexo e comida para muitas, é preciso, agora, discutir o posicionamento feminista sobre isso. A questão não é simples: transtornos alimentares são vícios estimulados indiretamente pela mídia e sociedade e a grande maioria das vítimas não quer abandonar os comportamentos auto-destrutivos.

Como o feminismo pode ajudar essas mulheres é algo a ser pensado, já que tão pouca atenção foi direcionada a isso no Brasil. O feminismo e o movimento body-positive salvaram minha vida, literalmente. Eu poderia ter morrido, mas aprendi a gostar do meu corpo o suficiente para parar antes de me matar. Por agora, sobrevivo. No entanto, o que nós militantes buscamos vai além da sobrevivência: é dignidade e qualidade de vida. Liberdade, enfim. Poder comer aquele pedaço de bolo de fato sem culpa, encontrar prazer nas atividades humanas, que não deveriam ser reservadas a um só sexo.

Assim, a problematização feminista deve sim perpassar o individual e atingir o cerne das questão: nossas meninas estão sendo ensinadas a serem anoréxicas ou bulímicas. 

sábado, 8 de março de 2014

Dia Internacional de Luta das Mulheres

No Dia Internacional da Luta das Mulheres as pautas são tantas que fica difícil focar. A opressão contra mulheres é tão ampla e violenta que o movimento feminista não conseguiu em tanto tempo de existência no Brasil garantir um dos direitos básicos da saúde feminina: o direito ao aborto legal, seguro e gratuito. O significado que isso carrega vai além da capacidade dos corpos das mulheres de "gerar vida": esse debate diz respeito à autonomia da mulher e sobre o quanto ela é dona de seu próprio corpo em pleno 2014.

Além das questões básicas de saúde pública, a luta pelo direito das mulheres de fazer o que quiserem com o seu corpo vai além, embora muitos não entendam isso. A liberdade sexual, a de ir e vir, de divertir-se e de tratar sua aparência como bem entende também nos é restrita. Não há lei que puna a mulher que faça sexo "demais" ou com "muitos" parceiros, mas o julgamento da sociedade patriarcal é tanto que nossa sexualidade é tolhida e inibida, e torna-se difícil (impossível, eu diria) distinguir o que de fato escolhemos para nós mesmas.

Nós desejamos um homem só para a vida toda, ou aprendemos que, se não desejarmos, perdemos o status já não muito gracioso de mulher de valor? Aqui falo somente de mulheres heterossexuais, embora lésbicas sejam coagidas e empurradas à uma heterossexualidade compulsória violentíssima.

Em Belo Horizonte, no Bar do cabral, uma jovem alcoolizada foi agredida por um estudante de Geografia. A notícia circulou pelas redes sociais e um professor da Universidade Federal de Minas Gerais comentou o assunto culpando a vítima por estar bebendo, naquele bar. com apenas uma postagem no Facebook, um homem já de cabelos brancos cercou a liberdade de todas as mulheres com acesso àquele conteúdo: a liberdade de ingerir o que bem entende, e a liberdade de frequentar onde bem entender. A segurança nos espaços e o bom caráter dos homens não nos é garantida, e nos cobram que permaneçamos em casa, lacradas, miúdas, fadadas ao divertimento (?) caseiro designado ao nosso gênero porque temos um buraco entre as pernas. Nos veem como vulneráveis e nos encarceram, ao invés nos darem poder. Poder este que quando exigimos somos loucas, exageradas, histéricas, feminazis. Não temos escapatória.

Nossa aparência não nos pertence: somos bonecas do patriarcado, pequenas misses sendo enfeitadas com vestidos cheios de babados e camadas que nos impedem de brincar na areia, correr e andar de bicicleta. Somos adolescentes de cabelo alisado, vomitando as refeições, diminuindo e diminuindo em função de garotos que aparecem na tv e têm o dobro da nossa idade. Somos jovens mulheres que não conseguem transar de luz acesa e que gastam o salário com cabelo, depilação e um par novo de botas a cada inverno: frequentamos o salão de beleza toda semana, mas nunca pagamos por uma massagem relaxante. Somos sempre insuficientes, para nós mesmas, para nossos pais, para nossos namorados e maridos.

Eu que não me calei
Eu que não quis ser objeto
Eu que fui violentada
Eu que sou mulher



O Dia da Mulher, como nossa sociedade o celebra, não pertence à todas. Alguns diriam que pertence à mulheres brancas, cis, hétero e ricas. Eu digo que nem a elas este dia serve, porque nem elas se adequam ao modelo impossível da mulher patriarcal. As mensagens que nos mandam se referem à mães e esposas perfeitas que se desdobram em mil, que não existiam sequer na década de 40. Seremos sempre insuficientes para a máquina patriarcal, não importa como formos. Por óbvio, aquelas que se desviem mais da norma serão maltratadas de ainda mais formas pelos homens, inclusive no 08 de março: elas que serão excluídas implicitamente através do "mulher de verdade". Elas que não são objeto de decoração. Elas que não servem à sexualidade masculina. Elas que não se calam.

Mais um ano de grades invisíveis que silenciam e torturam mulheres, tornando-as frágeis demais até para gritar. Mas, também, mais um ano de luta e empoderamento.

Misoginia não passará!

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Breve reflexão sobre odiar homens

Eu odeio homens. Todo homem que já conheci, que já deixei se aproximar de mim, usou de seu privilégio para me subjulgar. Cada um deles, até os que amei e confiei. Até os que têm o mesmo sangue que eu correndo pelas veias.

Isso não me impede (infelizmente, talvez) de amar alguns homens, de querê-los por perto. E isso, também, não me impede de em muitos momentos pensar com pesar, enquanto rio na mesma mesa de bar que um ou mais homens, que os odeio. E que eles também me odeiam, não por eu ser Carol, mas por eu ser mulher. E gostaria de avisá-los que o ódio é recíproco, mas geralmente não o faço. 

Eles me avisam mil vezes que me odeiam. Falam que eu sou um dos caras para me amarem. Relevam os assédios que sofri dos amigos deles. Colocam, como sempre, a fraternidade masculina como prioridade (mas se uma mulher decide por as amigas na frente, é uma "maria vai com as outras"). Ficam rindo da minha necessidade de me impor enquanto mulher, enquanto me objetificam enquanto mulher. Rindo de mim enquanto sujeito, se aproveitando de mim enquanto objeto. 

Eu odeio homens.

Eu amo e gosto de alguns homens, também. Mantenho alguns pés atrás com eles porque sei que antes de serem Fulano ou Beltrano, foram homens, e continuarão sendo. Quando são machistas, não são Fulano ou Ciclano: são homens cheios de privilégios sujos. 

Toda vez que um homem que amo me decepciona, eu fico triste. Eu não gosto de odiar homens. Eu não gosto de odiar.

Mas meu ódio se tornou o escudo que me impede de ser pisada pelos mesmos homens que amei ou amo. O meu ódio é só o que sobrou quando eles passaram a se aproveitar do fato de que os amo.

Texto originalmente publicado no meu Facebook, mas decidi postar no blog porque muitas mulheres se identificaram.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Construindo sororidade

Sororidade é apoio mútuo, compreensão e irmandade entre mulheres. Parece um conceito simples que deveria existir desde as melhores amigas do jardim de infância, mas fomos ensinadas que mulheres são invejosas e traiçoeiras. Ficou muito difícil enxergar outras mulheres como irmãs.

Mesmo dentro da luta feminista, na minha perspectiva pessoal percebo que muitas questões básicas ficam para trás. Lembro quando a Gizelli me mostrou a palestra no TED sobre feminismo, feito por Tavi Grevinson, uma garota de 17 anos e que já tem uma revista, a Rookie Mag. Nessa palestra, Tavi mostra no slideshow um desenho seu que gostaria de nunca ter esquecido:


Feminismo não é um livro de regras! Feminismo é uma discussão! Uma conversa! Um processo!

Feminismo é uma conversa. Sororidade também. Se feminismo é construído aos poucos, com interseccionalidade, discussão e troca de experiências o mesmo deve acontecer com a sororidade. Feminismo é um processo. Irmandade e compreensão são processos, como sororidade.

Se atitudes inerentes a algumas mulheres são feministas, muitas atitudes inerentes a alguns grupos de mulheres (como, por exemplo, proteger umas às outras de opressores) são atitudes cheias de sororidade. O problema é que não se deve permitir que sororidade seja só o que carregamos conosco desde sempre. Sororidade deve ser construída, aperfeiçoada, trabalhada, para que não se restrinja à experiências de vida não-interseccionais. 

É natural que nos identifiquemos melhor com mulheres semelhantes a nós: de nossa mesma classe social, cor da pele, etc. É normal, mas não é aceitável que a luta siga dessa forma. Feminismo e sororidade não andam juntos sem empatia. E, pessoalmente, não acredito que o feminismo siga em frente sem apoio mútuo entre mulheres. 

"Eu sozinha ando bem, mas com você ando melhor.": a ideia do apoio mútuo, em que as mulheres fortalecem umas às outras e se empoderam ao mesmo tempo. Isso não pode ser feito se não houver reconhecimento de opressão e privilégios. Por exemplo: eu, como mulher branca, cis e de classe média, devo reconhecer que sou privilegiada diante de uma mulher trans* negra e pobre, e devo ter empatia por ela. Ainda que eu discorde de alguma de suas falas, eu a respeito, pois tenho empatia e reconheço as relações de poder que existem entre nós. Isso não significa calar-se diante de discordâncias, mas sim lembrar que antes de existir uma pessoa que está falando algo que você não concorda, existe uma mulher com infinitas complexidades diante de você.
"Sermos mulheres juntas não era o suficiente.  
Éramos diferentes.
Sermos garotas homo juntas não era suficiente. Éramos diferentes.  
Sermos negras juntas não era suficiente. Éramos diferentes.  
Sermos mulheres negras juntas não era suficiente. Éramos diferentes. 
Sermos sapatas negras juntas não era suficiente. Éramos diferentes. 
Levou um tempo para percebermos que nosso lugar era não a segurança de uma diferença em particular, mas a própria casa da diferença." - Audre Lorde

Em resumo, a ideia é não permitir que sororidade seja um conceito cômodo que signifique que somente mulheres, brancas, cis, de classe média ou instruídas mereçam apoio. Expandir o sentimento de irmandade e solidariedade entre mulheres a todas as mulheres, não só aquelas com quem você convive. Muitas vezes é difícil enxergar além do nosso mundo particular (frequentemente repleto de privilégios) e isso também se acontece dentro de contextos libertários. 

Sororidade não é uma obrigação, e nenhuma feminista vai conseguir praticar sororidade com todas as mulheres do mundo. Mas é um exercio que pessoalmente recomendo, porque me foi de crescimento pessoal muito grande, e ainda tenho muito o que aprender, assim como todas nós temos. como o feminismo é sempre um processo e sempre uma conversa, nós nunca vamos parar de aprender e crescer umas com as outras.

E não existe 
coisa mais linda do que isso. 

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Corpo perfeito pra gritar: CHEGA

Aqui ninguém fala mal de nenhum tipo de corpo.
Aqui todos os corpos são amados e celebrados.


Não é de hoje que vemos a indústria da beleza massacrar a autoestima das mulheres (de todas as mulheres, vejam bem) para vender. E, para minha surpresa, ela vai mais longe a cada dia.

Para desde a ponta dos pés até os fios dos cabelos, existe um produto que promete uma versão melhorada das mulheres e também adolescentes. Se seu gênero no Facebook está marcado como feminino, é comum ver anúncio de emagrecedores, "dicas estranhas", "métodos antigos" para perder peso. As imagens que ilustram essas publicidades vão desde vítimas reais de anorexia até ovos podres. 

Para quem sofre de transtornos alimentares (como eu), esse tipo de anúncio pode ser triggering (um termo em inglês que melhor define a sensação de "engatilhar" sentimentos) e muitas vezes não se pode fugir desse tipo de apologia. 

No dia 1° de Outubro o site da revista Marie Claire publicou uma foto da modelo Izabel Goulart de biquíni acompanhada da expressão "Izabel se despede do Rio e mostra corpo perfeito". Choveram comentários negativos acusando a revista de apologia à anorexia, mas também chamando Izabel de feia, esquelética e outros termos horríveis. A revista se retratou e mudou o título da matéria para "fãs elogiam: corpo perfeito.". Mais uma vez, a culpa é nossa, não das grandes mídias, não das grandes indústrias, não dos detentores de poder. Óbvio. 

A responsabilidade social da Marie Claire foi nula: a postura de associar qualquer imagem com um ideal de corpo perfeito é irresponsável e nociva. Anorexia é a doença mental que mais mata no mundo inteiro, e é exatamente esse tipo de atitude que reforça padrões de beleza facistas e que faz com que esses dados se mantenham. A atitude de jogar a responsabilidade para os fãs de Izabel, pior ainda. A notícia não nasce num vácuo: ela possui um contexto social e uma realidade na qual se insere. Dizer que não foi a revista quem afirma que o corpo da modelo é perfeito não muda o fato de que, no site da Marie Claire, está escrito que Izabel Goulart tem o corpo perfeito. 

Em sua retratação a revista se diz a favor de um "padrão de beleza saudável". Não existe padrão de beleza saudável porque padrões machucam todas as mulheres, e nenhuma de nós é realmente livre enquanto a outra ainda estiver presa. 

Somos sempre convencidas de que podemos sempre ir além, e isso não é saudável. Não estamos autorizadas a simplesmente ser. Nenhuma de nós, nem mesmo Izabel Goulart. 

Se a moça é anoréxica, eu não sei. Mas se for, os comentários negativos a chamando de feia, esquelética, "pele e osso" ajudam ou pioram sua recuperação? Atacar alguém que apenas posou para uma foto é justo? São perguntas que devemos levantar antes de criticarmos as mulheres exploradas pela indústria da beleza. Não é minha intenção colocar Izabel como vítima de "magrofobia" ou nenhuma falsa simetria do tipo. Mas é possível (e é algo importantíssimo) aprender a acertar o alvo.

O alvo são os detentores de poder, as grandes revistas, as grandes empresas, as grandes corporações. Não as modelos, que muitas vezes sim são anoréxicas e bulímicas e sofrem muito dentro da profissão, onde aprendem que seu valor é sim medido pela aparência, e que elas nunca são boas o suficiente. Que elas nunca serão perfeitas, por mais que tenham - como é o caso de Izabel - vários fãs que pensem assim. 

Num dia desses uma moça que tinha adicionada no Facebook postou um print de uma das publicidades oferecendo meios para emagrecer: na foto, os joelhos marcados e vermelhos de uma mulher que acabara de ajoelhar em pedras, com algumas delas ainda grudadas na pele por causa da pressão. Talvez o Face escolha essas imagens aleatoriamente, não sei. Mas me pareceu simbólico: quantas mais vamos sacrificar?



sábado, 11 de maio de 2013

Menos misoginia, mais amor e sororidade


Criticar o feminismo (e qualquer movimento social) é essencial para que ele cresça e seja cada vez mais inclusivo. Acredito que muitas vezes quando um movimento cai nas mídias e mais pessoas fazem parte dele, começa uma espécie de telefone sem fio.

O que me preocupa obviamente, além das pessoas feministas, são as pessoas que flertam com o feminismo, concordam com muitas das ideias mas não se dizem feministas por qualquer motivo que seja. Muitas vezes as mulheres que são desse time, são mulheres de personalidade forte, com muitas opiniões, que falam o que pensam. Muitas delas são adolescentes, jovens mulheres rockeiras, skatistas, punks, enfim. São mulheres fora dos padrões rígidos da mulher silenciosa, delicada, prendada e "feminina" na aparência.

Elas começam se identificando com discursos que enfatizam o quanto estão cansadas de se sentirem sozinhas, sem amigas, simplesmente por terem opiniões e não gostarem de maquiagem e assuntos ligados ao que o patriarcado chama de "universo feminino". São chamadas de lésbicas, sapatonas, são mulheres que precisam lavar uma louça e de um bom chá de pica. Elas buscam apoio nas mulheres mais dentro do padrão e estas estão mais preocupadas com namorados e um mito da beleza que as consome, a ponto de não conseguirem olhar por suas irmãs diferentes. Essas mulheres fora do padrão tem sua misoginia alimentada. E aí dizem o que muitas de nós um dia já dizemos:
  • Amizade com homens é muito melhor
  • Amizade com um homem vale mais do que com duas mulheres
  • Mulheres são fúteis (mas eu sou uma exceção)
  • Mulheres só querem saber de macho (enquanto eu penso em pizza, música, carreira etc)
  • Assunto de "mulherzinha"
A falta de sororidade (irmandade, companheirismo e união) entre mulheres culmina em misoginia e culpabilização da vítima. O que a mulher fora dos padrões de feminilidade não percebe é que do mesmo jeito que ela não tem culpa de ser chamada de nomes e ser tida como chata, a sua irmã não tem culpa de ser pressionada a ser essa "boneca" que faz o que homens querem ver. Ela não tem culpa de ceder a essa pressão, porque, como a própria mulher fora dos padrões sente na pele, não é fácil ser transgressora.

Assim, cria-se um mito de que a mulher estereotipada e dentro dos padrões é burra e fútil, quando ela é uma vítima do patriarcado, que a ensina (erroneamente) que ela precisa de um homem em sua vida, e que para isso ela precisa estar dentro dos padrões de beleza. E, hoje em dia, ela é ensinada que para que ela se sinta bem consigo mesma, mesmo estando solteira, ela também precisa estar dentro de determinados padrões de beleza e comportamento. Cria-se o mito de que para mulheres o "amor" é mais importante do que a amizade, então todas as outras mulheres são rivais que podem lhe tirar a chave para a felicidade (um homem).

Enquanto isso, a mulher fora dos padrões faz amizade com homens, supostamente "sem frescura", rindo das mulheres consideradas burras e superficiais, sem saber que, para seus amigos, ela é mulher, portanto, em algum momento, ela também será alvo dessa misoginia. Não cabemos em caixinhas de estereótipos e uma hora essa mulher demonstrará uma fraqueza, cometerá algum deslize. Seus amigos a chamarão de "mulherzinha". Vão perguntar se ela quebrou uma unha, vão tentar diminui-la por ser mulher. E ela vai se odiar e odiar ainda mais as outras.

Sem sororidade, mulheres aprendem a odiar umas as outras, sem perceber que estão sendo manipuladas pelo patriarcado.

Já passou da hora de lembrarmos que é possível ter opiniões e convicções fortes, ser inteligente e independente e, ainda assim, gostar de elementos associados ao feminino (como cabelo, maquiagem, moda etc). É simplista demais encaixotar mulheres em estereótipos limitadores. Não existe nada de errado em se identificar com esses estereótipos, mas sim esperar que mulheres estejam sempre cabendo em rótulos, quando são seres humanos complexos, contraditórios, mutáveis.

Um dos objetivos do(s) feminismo(s) é que todas as mulheres sejam livres para serem como quiserem (sempre tendo noção de todas as possibilidades que elas, como seres humanos, tem à sua frente, não só as que o patriarcado oferece). Desconstruir estereótipos de gênero não significa diminuir, humilhar ou desqualificar aquelas que estejam presas a eles.

Não é feminismo se você ri e julga sua irmã que está dentro de padrões patriarcais de comportamento. Não é feminismo se você aponta o dedo para mulheres e as chama de "fúteis". Não é feminismo se você julga e desvaloriza os sentimentos e experiências da sua irmã, porque ela não é como você.

Não é justo que só você seja livre. Liberte sua irmã.