Além das questões básicas de saúde pública, a luta pelo direito das mulheres de fazer o que quiserem com o seu corpo vai além, embora muitos não entendam isso. A liberdade sexual, a de ir e vir, de divertir-se e de tratar sua aparência como bem entende também nos é restrita. Não há lei que puna a mulher que faça sexo "demais" ou com "muitos" parceiros, mas o julgamento da sociedade patriarcal é tanto que nossa sexualidade é tolhida e inibida, e torna-se difícil (impossível, eu diria) distinguir o que de fato escolhemos para nós mesmas.
Nós desejamos um homem só para a vida toda, ou aprendemos que, se não desejarmos, perdemos o status já não muito gracioso de mulher de valor? Aqui falo somente de mulheres heterossexuais, embora lésbicas sejam coagidas e empurradas à uma heterossexualidade compulsória violentíssima.
Em Belo Horizonte, no Bar do cabral, uma jovem alcoolizada foi agredida por um estudante de Geografia. A notícia circulou pelas redes sociais e um professor da Universidade Federal de Minas Gerais comentou o assunto culpando a vítima por estar bebendo, naquele bar. com apenas uma postagem no Facebook, um homem já de cabelos brancos cercou a liberdade de todas as mulheres com acesso àquele conteúdo: a liberdade de ingerir o que bem entende, e a liberdade de frequentar onde bem entender. A segurança nos espaços e o bom caráter dos homens não nos é garantida, e nos cobram que permaneçamos em casa, lacradas, miúdas, fadadas ao divertimento (?) caseiro designado ao nosso gênero porque temos um buraco entre as pernas. Nos veem como vulneráveis e nos encarceram, ao invés nos darem poder. Poder este que quando exigimos somos loucas, exageradas, histéricas, feminazis. Não temos escapatória.
Nossa aparência não nos pertence: somos bonecas do patriarcado, pequenas misses sendo enfeitadas com vestidos cheios de babados e camadas que nos impedem de brincar na areia, correr e andar de bicicleta. Somos adolescentes de cabelo alisado, vomitando as refeições, diminuindo e diminuindo em função de garotos que aparecem na tv e têm o dobro da nossa idade. Somos jovens mulheres que não conseguem transar de luz acesa e que gastam o salário com cabelo, depilação e um par novo de botas a cada inverno: frequentamos o salão de beleza toda semana, mas nunca pagamos por uma massagem relaxante. Somos sempre insuficientes, para nós mesmas, para nossos pais, para nossos namorados e maridos.
Eu que não me calei
Eu que não quis ser objeto
Eu que fui violentada
Eu que sou mulher
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O Dia da Mulher, como nossa sociedade o celebra, não pertence à todas. Alguns diriam que pertence à mulheres brancas, cis, hétero e ricas. Eu digo que nem a elas este dia serve, porque nem elas se adequam ao modelo impossível da mulher patriarcal. As mensagens que nos mandam se referem à mães e esposas perfeitas que se desdobram em mil, que não existiam sequer na década de 40. Seremos sempre insuficientes para a máquina patriarcal, não importa como formos. Por óbvio, aquelas que se desviem mais da norma serão maltratadas de ainda mais formas pelos homens, inclusive no 08 de março: elas que serão excluídas implicitamente através do "mulher de verdade". Elas que não são objeto de decoração. Elas que não servem à sexualidade masculina. Elas que não se calam.
Mais um ano de grades invisíveis que silenciam e torturam mulheres, tornando-as frágeis demais até para gritar. Mas, também, mais um ano de luta e empoderamento.
Misoginia não passará!
Passei o oito de março meio evitando as redes sociais, sem querer ver mais da cagação de regra e dos felizes dias da mulher vazios e sem significado. Então atrasada, mas em tempo de apreciar esse texto: falou tudo que eu passei o dia pensando, Carol.
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