terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Resenha: Gone Girl





De início esse não foi de longe um filme que me interessou, mesmo com a direção de David Fincher. A premissa não me prendia, e a ideia de um homem que procura pela esposa desaparecida me parecia demais como um longa da Tela Quente para que eu me dedicasse a assistir. O livro então, era completamente ignorado por mim nas prateleiras da livraria.

Depois de subestimar Gone Girl o suficiente para não pegar uma sessão no cinema, assisti às duas horas e 26 minutos do filme com o namorado, e posso dizer que definitivamente foi uma das melhores obras do ano. 

Ben Affleck (sim, eca) interpreta o marido cuja esposa sumiu, Nick. O filme já começa com o sujeito indo tomar umas com a irmã, reclamando da esposa e do aniversário de cinco anos do casamento. Ele é, claramente, um homem infeliz, mas o espectador não sabe porque. Somos introduzidos à história de Nick e Amy, que viveram anos de um romance ardente e feliz, até que o casamento, com falta de palavras melhores, perdeu a graça. 

Nick volta para casa e não encontra sua esposa, mas uma mesa quebrada. Depois de acionar a polícia, fica evidente que Amy não simplesmente saiu: houve uma luta e ela, pelo visto, perdeu. 

Amy é querida e famosa - trata-se do desaparecimento de uma celebridade milionária. Protagonista da série de livros infantis "Amazing Amy", criada por seus pais, ela tornou-se a personagem: exemplar. A reflexão da queridinha da américa, loira, linda, de voz sensual e fotogênica. Assim como o casamento.

Até aí, o filme poderia ser mais um dos clássicos da Globo na segunda-feira à noite. No entanto, vamos descobrindo alguns podres no casamento e em Nick, o que nos leva a pensar se esse cara realmente quer encontrar a esposa. Ou se, na verdade, ele a matou e está apenas bancando o bonzinho. 

Este é um filme cheio de reviravoltas e, honestamente, se não fosse a direção de Fincher, ele seria um desastre. Ben Affleck é sofrível, com um personagem morno que rapidamente aprendemos a detestar. Era uma direção difícil, com um roteiro complicadíssimo e que tinha tudo para dar errado. O spoiler é: não deu.

A partir daqui vou falar sobre o principal spoiler do filme, então fique avisado:

Eis que a garota exemplar não é tão exemplar assim: depois de deixar um diário estrategicamente escondido para a polícia encontrar, Amy começa sua fuga e forja seu desaparecimento. No diário, Amy descreve diversas brigas, uma agressão física da parte de Nick e o medo de ser assassinada por ele - tudo mentira. O motivo é a distância de Nick, causada, em especial, pelo caso que ele está vivendo com uma de suas alunas, de apenas 20 anos. Uma cena clássica de final de filme se segue: a atriz Rosamund Pike dirige satisfeita para longe de tudo, saboreando a vingança planejada contra seu marido, cabelos ao vento, óculos de sol.

Muitas vezes, durante esse longa, me lembrei de Um Crime de Mestre (Fracture, 2007), estrelado pelo meu querido Anthony Hopkins. Um crime que não pode ser provado, a vingança de um dos cônjuges, o suspense... exceto que em Gone Girl a esposa está vivíssima e louca para se vingar. 

Amy descobre que fugir e mudar de identidade não é tão simples e, depois de ter seu dinheiro roubado, pede ajuda a um antigo namorado que jamais a esqueceu. Mantendo a imagem de esposa agredida e apavorada, Amy é levada até a casa no lago do sujeito, interpretado por Neil Patrick Harris. Coberta de luxos, Amy assiste um programa de tv em que Nick, auxiliado por um advogado, limpa a recém-adquirida fama de assassino. Ele pode ter traído e desrespeitado a esposa, mas não a matou. Ele a ama e a quer de volta. Sente sua falta. Obviamente, Amy fica abalada pela situação.

O filme traz um peso midiático muito grande: como Amy é uma celebridade, diversos programas e canais da tv fazem a cobertura do seu desaparecimento. Um deles é um talk show sensacionalista, que afirma que Nick é um assassino, mesmo sem provas, e que ele e a irmã têm uma relação incestuosa. A influência da mídia no caso é notório, em especial mais para o final do filme, em que os personagens são, literalmente, atores para a mídia. 

Uma outra sensação que tive enquanto assistia é que Gone Girl tem um quê de american way of life: o casal perfeito, cheio de aparências, quebrado por dentro. Todo o peso de serem famosos e estarem juntos e a torcida por um final feliz por parte da mídia e das pessoas acompanhando o caso revela que, para o EUA contemporâneo, bom mesmo é um grande show de família feliz. 

A partir daqui já é spoiler demais e todo mundo já entendeu que esta não é uma clássica história "boy meets girl" e sim babaca encontra obssessiva.

Dos destaques desse longa, o maior deles é a atuação de Rosamund Pike, interpretando a mesma personagem e suas duas faces com tanta naturalidade que assusta.

 

Depois disso, ficam meus aplausos empolgadíssimos a David Fincher (estou aqui na torcida ferrenha para que o Oscar de Melhor Diretor seja dele). Depois de assistir Gone Girl e eu só conseguia pensar em como esta história complexa poderia ser contada de forma chata, longa, confusa, melosa ou dramática demais. A naturalidade e simplicidade com a qual ela se desenrola é incrível. 

E mais aplausos a Trent Reznor, que produziu a trilha sonora. Aqueles batimentos cardíacos me deram ansiedade na hora certa.

Agora meus tradicionais comentários sobre a moral da história, representatividade e todo o resto. A parte que talvez os maiores cinéfilos não tenham interesse: 

Esta é uma história sobre uma mulher psicopata e inteligentíssima que se vinga de um homem covarde e infiel. Um cara nada bonzinho, mas que definitivamente acaba sendo vítima da esposa. 

Gosto bastante de uma cena em que Nick diz que está cansado de mulheres enchendo o saco dele. Bom, amigo, como falo a todos os homens, se não quer mulher enchendo seu saco, não faça por merecer.

Amy finge ter sido agredida, estuprada e até uma gravidez falsa ela conseguiu inventar. Infelizmente vivemos num mundo em que não precisamos de mais histórias de mulheres que mentem para ferrar a vida de homens, já que é exatamente isso que alegam quando uma mulher relata ou denunciam estupro, abuso ou agressão na vida real. Gone Girl perde muitos pontos nisso, para mim. Ainda assim é uma história incrível. 

E há vários momentos em que Amy fala grandes verdades:
"Garota Legal. Homens sempre usam essa, não usam, como o elogio definitivo? Ela é uma garota legal. A Garota Legal é gostosa, Garota Legal é jogo, Garota Legal é divertida, Garota Legal nunca fica com raiva do seu homem, ela apenas sorri de um jeito tímido e amoroso, e então apresenta sua boca para trepar. Ela gosta do que ele gosta, então obviamente ele é um hipster que gosta de vinil e mangá fetichista. Se ele gosta de Girls Gone Wild ela é uma garota de shopping que fala de futebol americano e tolera asinhas de frango na Hooters. Quando conheci Nick Dunne eu sabia que ele queria Garota Legal, e para ele, eu admito, eu estava disposta a tentar. Eu depilei minha buceta. Eu bebi cerveja assistindo filmes do Adam Sandler. Eu comi pizza gelada e continuei sendo tamanho 36. Eu o chupei, semi-regularmente. Eu vivi o momento. Eu era a porra de um jogo. Não posso dizer que eu não gostei um pouco. Nick provocava coisas em mim que eu não sabia existirem. Uma leveza. Um humor. Uma facilidade. Mas eu o fiz mais inteligente, perspicaz. Eu o inspirei para subir ao meu nível. Eu forjei o homem dos meus sonhos. Nós estávamos felizes fingindo ser outras pessoas. Nós éramos o casal mais feliz que conhecíamos; e qual o ponto de estar juntos se não éramos os mais felizes? Mas Nick ficou preguiçoso. Ele se transformou em alguém com quem não concordei me casar. Ele realmente esperou que eu o amasse incondicionalmente. E então ele me arrastou, sem dinheiro, para o umbigo desse grande país, e se descobriu uma nova Garota Legal mais jovem, mais flexível. Você acha que eu deixaria ele me destruir e acabar mais feliz do que nunca? Nem fodendo. Ele não vai vencer. Meu fofo, charmoso, homem de Missouri. Ele precisava aprender. Adultos trabalham por coisas. Adultos pagam. Adultos sofrem consequências."


Justifica incrimar o marido por um crime que ele não cometeu? Não, mas fala por todas nós e o fato de estarmos cansadas de tanta coisa ruim cair nos ombros de nós mulheres e nada acontecer com os responsáveis. é um filme que traz uma mensagem (infelizmente, acho que ela vai se perder no tempo), que é de como as mulheres se diminuem para tornar seus homens melhores.

No fim das contas, Gone Girl é um filme que prende e conta uma história diferente das que vemos por aí hoje em dia. Pra quem carrega um tiquinho de misandria, é delicioso torcer pela Amy e seu plano de vingança. Pra quem quer só um suspense, é com certeza o melhor lançamento do ano.

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