Esta semana um dos highlights feministas foi a nova campanha da Skol (eta cerveja ruim, diga-se de passagem). Muita discussão pertinente foi levantada e a mais óbvia com certeza foi a da cultura de estupro.
Resistência e intervenção feminista. Leia o post da Pri. |
Não acho que se trata somente de cultura de estupro, cruamente falando. Como a Pri Ferrari disse, a indução a perda de controle é algo perigoso. A Skol, como outras marcas de cerveja brasileiras, investem no corpo feminino, na voluptuosidade e na pegação que costuma acontecer quando as pessoas bebem. E aí mora um perigo grande, porque nem sempre quando se bebe, você não é capaz de consentir (apesar de haver discordâncias no meio feminista sobre isso). No entanto, a existência de consentimento não significa que a mulher não esteja diante de situações violentas ou misóginas.
Comecei a pensar sobre isso depois de comentar num grupo de mulheres sobre consumo excessivo de álcool e uma mulher colocou um ponto incrível: mulher beber hoje em dia é legalzão, mas até pouco tempo atrás, não era assim. Era vergonhoso, sujo, e muita gente ainda carrega isso. E aí a gente se rebela, obviamente, adentrando os espaços que antes eram exclusividade masculina: bares, boates, open bar. Apostamos com eles quem vira mais doses e copos cheios de cerveja e poucas coisas soam mais girl power que uma mulher que bebe melhor que um cara. Fazemos isso sem pensar no efeito que isso tem sobre nós mesmas e no quão vulneráveis ficamos num ambiente misógino e potencialmente hostil para mulheres.
As músicas de hoje, as que fazem sucesso, são muito sobre uma mulher que está louca, bebeu demais, tá descendo até o chão, dançando com todos, tá provocante. A mulher que bebe, atualmente, é descolada, divertida. É claro que se você passar vergonha, desmaiar, vomitar ou sofrer algum abuso, você que não deveria estar vulnerável no meio de um monte de homem bêbado. A sociedade patriarcal passa de liberal para conservadora muito fácil quando o corpo das mulheres deixa de ser parque de diversões e se torna fonte de problema.
O negócio é que álcool não é um problema apenas em situação de abuso e estupro. O álcool é problema quando a gente esquece o "não" em casa e consente demais, a ponto de achar que encher a cara, ficar vulnerável, ficar com todos, é algo muito tranquilo de se fazer. Spoiler: não é. Não numa sociedade patriarcal que, atualmente, prefere mulheres bêbadas porque elas são mais "soltinhas".
Não é nem que as mulheres esqueçam o "não" em casa. Ele caiu dentro do terceiro mega-latão de Brahma, e aí no dia seguinte você não é mais a garota legal, sensual com sua caipirinha. Você é uma puta nojenta que bebe demais e não sabe se comportar. Você beijou pessoas que nem queria realmente beijar: você consentiu, mas não queria. Você foi, tentando se divertir, instrumento da diversão masculina.
É importante dizer que isso não é culpa das mulheres que bebem. Eu inclusa.
Campanha do Ministério da Justiça que foi retirada do ar. Por motivos óbvios. Fácil demais culpar as mulheres. |
A culpa é de uma cultura que glamoriza mulheres bêbadas não porque elas estão se divertindo e dançando (como teriam vergonha de fazê-lo naturalmente), mas sim porque elas estão vulneráveis e propensas a dizer sim. Me dá nojo pensar que a nossa diversão é vista como oportunidade para os homens: nossa conquista - a de poder frequentar espaços com álcool e realmente beber, como uma escolha nossa - é transformada em mais uma ocasião em que somos presas masculinas. Nos incentivam a beber, mas as consequências disso são somente nossas. De novo, espaços masculinos nos são permitidos com consequências terríveis.
Dizer essas coisas pode parecer discurso conservador, aquilo de "confundir liberdade com libertinagem". Mas deixo apenas a reflexão para vocês: porque uma sociedade machista como a nossa gosta tanto de mulheres bêbadas? É sempre porque elas vão desmaiar e serem estupradas?